Antes de mais nada, é necessário fazer um panorama geral da reforma tributária, pois os holofotes desta reforma estão voltados para os impostos sobre bens e serviços, ou seja, ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto Sobre Serviços).
Esses dois impostos serão substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que é uma das partes do IVA dual (Imposto sobre valor Agregado dual, cuja outra parte é a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços).
Mas vamos focar aqui, no IBS. Como todos devem saber, ou não, mas os impostos que mais arrecadam dinheiro no Brasil, tirando o Imposto de Renda – IR, são o ICMS e o ISS; o ICMS de competência e arrecadado pelos Estados e DF, e o ISS de competência e arrecadação dos municípios, ou seja, dos impostos estaduais e municipais, estes dois impostos são o “filet mignon” dos estados e municípios, que passarão agora, com a reforma tributária, a serem arrecadados pela União, num único imposto, que é o IBS.
Vamos nos ater aqui sobre o ICMS, que é estadual, cujo tema está mais próximo para nossa explicação do impacto no Planejamento Patrimonial.
Para suprir a perda com a arrecadação do ICMS, outra das alterações da reforma tributária feita na Constituição Federal pela EC nº 132/2023 foi ampliar o alcance do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) para incidir também agora sobre aeronaves e embarcações. Só que essa ampliação não supri essa perda de arrecadação do ICMS, pois existem muito menos embarcações e aeronaves do que pessoas consumindo bens e serviços. Logo, a conta não fecha.
Com essa introdução, fica mais fácil agora para entender realmente quais são os reflexos da reforma tributária no Planejamento Patrimonial da Família.
Um dos pontos mais acentuados da reforma tributária que ninguém debateu foi a inclusão no texto constitucional, do inciso VI ao §1º do artigo 155, para que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens ou direitos (ITCMD, ITCD ou ITD), mais conhecido como Imposto da Herança ou Imposto da Doação, seja cobrado de forma progressiva, que é um imposto estadual; e mais um detalhe que ninguém comentou, é que esse texto não é original da PEC nº 45/2019, ele foi incluído, o chamado “jabuti”, porque já havia essa progressividade de cobrança em mais de 15 Estados, para ser mais exato, em 19 Estados, e para deixar tudo igual e dar essa liberdade de cobrança progressiva, para tentar compensar essa perda na arrecadação do ICMS, foi instituído esse texto.
Mas isso não é nada!
Pois, ainda que a Constituição Federal determine que todos os Estados tenham que cobrar o ITCMD de forma progressiva (8 que não cobravam), ainda permanece a competência dos Estados para regulamentar esse imposto e definir as bases de cálculo e faixas de alíquotas, cujo o teto é fixado pelo Senado Federal, que ainda hoje de 8%.
Ou seja, a exemplo do Estado de São Paulo, cuja alíquota atual é de 4% cobrada de forma linear, São Paulo poderia obedecer a nova regra constitucional e cobrar de forma progressiva de 0% a 4%, e estaria atendendo a Constituição Federal.
SQN!!!
O Estado de São Paulo saiu na frente e já lançou sua proposta de aumento do ITCMD na Assembleia Legislativa para, além de escalonar o imposto, passará a cobrar alíquotas de 2% a 8%, além de acabar com a faixa de isenção, que ainda hoje é de, aproximadamente, R$ 88.000,00 para bens móveis e R$ 175.000, 00 para bens imóveis, ou seja, vai passar a tributar sobre qualquer valor e chegará a aumentar em 100% aqui em São Paulo.
Mas, não para por aí.
Lembra que eu disse que os Estados irão perder o “filet mignon” do ICMS.
Mesmo aumentando o ITCMD para até 8% (100% de aumento), que é o limite fixado pelo Senado Federal, por meio da Resolução do Senado nº 9/1992, que em alguns Estados do Norte esse aumento poderá representar 400% de aumento, essa perda com a arrecadação do ICMS ainda será insuficiente.
Agora é que vem a parte principal dos reflexos da reforma tributária em relação ao ITCMD e consequentemente no Planejamento Patrimonial da Família.
A Constituição Federal, em seu inciso IV do §1º do artigo 155, que é o artigo que trata do ITCMD, diz que a competência para aumentar a alíquota do ITCMD, em todo o território nacional, é do Senado Federal, por meio de uma Resolução.
Como foi dito acima, a resolução que está em vigor é a Resolução do Senado nº 9/1992, ou seja, desde 1992 o teto é de 8%.
Desde 2019, pouco antes da retomada das discussões sobre a reforma tributária, já havia um Projeto de Resolução do Senado, de autoria do Sen. Cid Gomes (CE) para aumentar a alíquota do ITCMD para 16%. Mas, como se deu início às tratativas da reforma tributária, esse projeto permaneceu engavetado.
Então, o CONFAZ – Conselho Nacional de Políticas Fazendárias composto por todas as Secretarias da Fazenda dos Estados e do DF, mais o Ministério da Fazenda, em 2020 reiterou ao Senado Federal sua proposta de 2015 para aumentar essa alíquota para 20%.
Novamente, com as discussões sobre a reforma tributária esse pedido ficou engavetado, aguardando-se o desfecho da reforma.
Pois bem, reforma tributária aprovada, com todas os detalhes expostos acima, mas particulares ao ICMS e ITCMD, foi então criado o Grupo de Trabalho para o Comitê Gestor do IBS que elaboraram o PLP nº 108/24, na Câmara dos Deputados Federais, com a colaboração de vários membros do CONFAZ, que integrarão este Comitê Gestor, onde realizaram novos estudos e apresentaram uma nova proposta ao Senado Federal de aumento da alíquota do ITCMD, agora para 21%.
E para quem não sabe, ou não se lembra, o Senado Federal representa os interesses dos Estados.
E como é aprovada uma Resolução no Senado? Pelo quórum de maioria simples.
Ou seja, o Senado Federal é composto por 81 senadores, dos quais bastam estarem presentes, no mínimo 41, e destes 41, pelo menos 21 senadores votarem pela aprovação da resolução.
Se o CONFAZ é composto por todos os Estados e o DF, que são 27 unidades, você tem dúvida se será ou não aprovada esta Resolução para aumentar a alíquota do ITCMD para 21%?
Curiosidades sobre o Projeto de Lei Complementar nº 108/24.
A discussão aqui não tem nenhum viés partidário, apenas constatação de fatos.
80% do PLP nº 108/2024 fala sobre a criação do Comitê Gestor do IBS, que é mais um órgão “cabidão de emprego” (158 artigos) e como esse Comitê irá redistribuir o ICMS e o ISS aos estados e municípios, os outros 39 artigos (20% da lei) tratam de uniformizar a forma como serão cobrados o ITCMD e do ITBI, pois cada estado e cada município adotava uma forma diferente na cobrança, ou que causava diversas discussões na justiça.
Atualmente, o ITCMD é cobrado por cada Estado de diversas formas, uns atribuem o valor do bem que está sendo herdado ou na doação, aquele valor declarado na declaração de imposto de renda, aqui no Estado de São Paulo é cobrado pelo valor de mercado e em se tratando de bens imóveis, ainda há divergência entre valor de mercado e valor venal, aquele atribuído pelas prefeituras no lançamento do carnê do IPTU, que muitas vezes estão desatualizados.
Enfim, o PLP nº 108/24 regulamenta que o ITCMD será cobrado pelo valor de mercado, ou pela avaliação da administração tributária, ou por meio de planta de valores elaborada com fundamento em metodologia estatística tecnicamente idônea (sistema utilizado pelas prefeituras aferirem o valor venal de imóveis). Ou seja, o que antes era regrado por lei estadual, agora ficará regulado de forma nacional, mas, na minha humilde opinião não mudou muita coisa, o que continuará gerando distorções e discussões a respeito de qual será o valor atribuído aos bens imóveis.
Outra novidade do PLP nº 108/24 é a cobrança do ITCMD sobre os planos de previdência privada, PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) que antes eram isentos de impostos, para as novas contas de previdência anterior a 5 anos. O que antes era uma das formas de Planejamento Patrimonial.
Curiosidades do PL nº 7/2024 do Estado de São Paulo para aumentar as alíquotas do ITCMD
A EC nº 132/23 foi promulgado no final do ano passado, no apagar das luzes, dia 20 de dezembro.
Logo em seguida o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas já entraram em recesso.
No Estado de São Paulo, logo em seguida ao recesso, no dia 1º de fevereiro já foi protocolado o PL nº 7/2024 e colocado na primeira pauta de Assembleia do dia 05/02.
No dia 14/02 foram apresentadas duas propostas substitutivas ao PL, uma (sem sentido algum) para reduzir o ITCMD para 3% e a outra para escalonar, ou cumprir a progressividade de 1% a 4%, e em seguida remetidas à Comissão de Constituição, Justiça e Redação para distribuir a algum dos deputados da comissão.
No dia 28/02 foi sorteado o Dep. Est. Reis (PT) para ser o relator. Que em prol da sociedade paulista, trabalhou arduamente durante uma semana inteira para rejeitar as duas propostas substitutivas e apresentar seu voto relator favorável ao PL nº 07/2024 à CCJR, que também recebeu, aprovou e publicou no dia 19/03.
Com isso, o PL deu entrada na Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento para dizer quanto à viabilidade de quanto se arrecadará, quanto irá custar a sua aprovação e em quanto tempo se realizará.
Mas como eu disse, o PL nº 07/2024, não só trouxe sua adaptação à reforma tributária, para cobrar o ITCMD de forma progressiva, de 2% a 8%, mas também acabou com a isenção do ITCMD para as famílias menos favorecidas, que antes tinham aquelas isenções que eu havia dito de, aproximadamente, até R$ 88.000,00 para bens móveis e de R$ 175.000,00 para bens móveis.
Agora toda família com bens de até R$ 350.000,00 já terá que arcar com, pelo menos 2% de ITCMD.
Conclusão:
Os reflexos da reforma tributária no Planejamento Patrimonial da Família serão, de certa forma, significativas à medida que o ITCMD irá aumentar, seja para os Estados que cobravam uma alíquota única e passarão a cobrar de forma progressiva até 8%, seja para os Estados que já cobravam de forma progressiva, e seja para todos os Estados que estarão aguardando a aprovação do Senado Federal para aumentar a alíquota para 21% e alterarem suas legislações estaduais para adequar as faixas de progressividade.
O que atualmente o Planejamento Patrimonial da Família é muito mais vantajoso e eficiente do que deixar o patrimônio ser submetido a um inventário, ficará mais caro, pois o ITCMD cobrado no inventário ou na doação é o mesmo imposto cobrado no Planejamento Patrimonial da Família.
Mas, mesmo assim, ainda será muito mais vantajoso e mais eficiente do que se manter inerte e deixar que os bens da família sejam submetidos a um inventário. O que atualmente um inventário pode custar algo em torno entre 15% a 40% de todo o patrimônio, passará a custar, no mínimo 30%, podendo chegar este custo a 60% 70% de todo o patrimônio da família.
Sendo assim, os reflexos da reforma tributária no Planejamento Patrimonial da Família, vão para além das perdas patrimoniais a que as famílias estarão sujeitas com um processo de inventário.
É o Estado, exercendo sua política de Estado para uma mudança de paradigma, uma mudança de consciência, uma nova era de educação patrimonial, para que as pessoas físicas não deixem nenhum bem em seu próprio nome, pois um dia elas não estarão mais aqui, mas sim, institucionalizem seus bens numa pessoa jurídica de sua titularidade, pois uma pessoa jurídica praticamente tem vida eterna.
Referências:
https://www.jota.info/artigos/reforma-tributaria-e-itcmd-colocando-os-pingos-nos-is
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